The Nevers é os X-Men na era Vitoriana da HBOMax

Na Inglaterra Vitoriana algo acontece que concede poderes aleatoriamente a várias mulheres – e raramente, a alguns homens. A reação da sociedade é imediata, fazendo com que as moças tenham que se unir para resistir ao medo e preconceito. Esta é a premissa básica da série da HBO que é fortemente recomendada para quem gostou de, por exemplo, Carnival Row e quer algo com ação, mistérios, visual do século XIX e superpoderes.

A frente de tudo nesta produção estava Joss Whedon, da série Buffy, do filme dos Vingadores e de uma fase muito bem sucedida à frente dos quadrinhos dos X-Men. Mas uma treta envolvendo acusações de mau comportamento o retirou do posto já com o jogo sendo jogado. Mesmo assim, o produto final não parece ter sido prejudicado por estes problemas de bastidores.

A série utiliza vários ingredientes na sua construção:

Temos um quê de steampunk, principalmente por conta de Penance, a inventora. Suas traquitanas são divertidas e visualmente interessantes e como seu poder lhe permite ver as coisas de uma forma que nenhum inventor conseguiria, a exigência de suspensão da descrença para aceitar os inventos se torna bem leve.

Uma pitada de X-Men (digo, women) por conta dos superpoderes, que neste caso são bem mais discretos e “low power” do que aquilo que vemos na Marvel e na DC e por causa da discriminação contra uma minoria. Nesse sentido temos inclusive um equivalente à mansão Xavier e a patrona da coisa toda numa cadeira de rodas.

Há também a questão da sociedade conservadora e patriarcal pirando ao ter que lidar com mulheres empoderadas e talentosas. Tema que segue muito bem até que dá uma tropeçada (detalhes na seção com spoilers mais abaixo).

Quanto às personagens, várias são bem interessantes, como o aristocrata devasso dono de bordel, o policial que tem uma complexidade que vai além do que parece inicialmente e até mesmo o aristocrata estereotipado e sem coração que vai fazer o necessário para por as coisas de volta nos trilhos. Mas o brilho mesmo fica com a vilã, Maladie, interpretada por Amy Manson e com a personagem de maior destaque, líder das moças, Amalia True, vivida por Laura Donnelly. Ambas atrizes estão muito bem em suas funções de mulheres fortes, decididas e que, cada uma a seu jeito, desprezam acintosamente o padrão de comportamento da época.

Outros pontos altos são: a reconstituição de época, os poderes ora “comuns” como lançar chamas pelas mãos e ora inusitados, como fazer as pessoas perderem inibições, não se policiarem ao falar e desatarem a dizer a verdade. Os efeitos especiais são bons e as cenas de luta bem coreografadas. Convencem e divertem. Visualmente tudo funciona muito bem, com exceção, talvez, do começo do sexto episódio, gravado parte em ambientes mais escuros e cenários internos mais simples.

Há ainda mistérios introduzidos logo no início que põe a pulga atrás da orelha do espectador e aguçam a curiosidade por vê-los resolvidos. O que deu os poderes (principalmente) às mulheres? Por quê? Quais são as motivações de alguns personagens?

A série sofre, entretanto, ligeiramente de uma indecisão quanto ao tom. A impressão é a de que se tentou fazer um divertimento leve, pois esta é a pegada predominante. Porém, aqui e ali há breves momentos de sexo, nu frontal e violência muito explícita que acabam dissonantes com os trechos mais “seção da tarde”.

O veredito final é uma série visualmente interessante, movimentada, que te prende e diverte. Não é uma das melhores da vida. Longe disso. Mas valeu bastante a assinatura do HBO Max.

Por ora só há seis episódios disponíveis, apesar do site IMDB creditar 12 para vários atores.

Talvez por esta liberação parcial de conteúdo os responsáveis acharam, por bem, explicar muita coisa antes da pausa e há bastante revelações no sexto episódio. Para fazer isso acontecer há nele uma considerável mudança no formato. Sendo dividido em pequenos capítulos, não fluindo adiante no mesmo ritmo que os outros, preferindo focar nestas pequenas passagens, para fornecer ao espectador os esclarecimentos com os quais terá que conviver até a retomada da série, pois as coisas ficam pela metade.

Agora, é aguardar a liberação do restante da primeira temporada de dedos cruzados, na torcida para que seja tão divertida quanto o que foi visto até aqui.

 

 

(ALERTA: SPOILERS)

 

 

Vamos ao tropeço que mencionei anteriormente: a revelação de quem é realmente Amália dá outro significado ao fato dela ser uma mulher forte na era vitoriana. O que, no meu entendimento, dilui a mensagem de empoderamento feminino. O que antes era a mensagem da mulher que usa seus dons para se afirmar numa sociedade patriarcal, andando de cabeça erguida e enfrentando os homens de igual para igual, transforma-se na ideia de uma mulher que é como é, porque sua mente é a de uma soldada do futuro. O subtexto perde com esta reviravolta.

Outra coisa é que, no começo do sexto episódio, cheguei a ir conferir para ver se tinha clicado na série certa. A reviravolta – que tem função explicativa – é muito mirabolante e pode não agradar a todos (e tem algo de “Dias de um futuro esquecido”, dos X-Men que é um título que, como dito acima, Whedon já pôs as mãos e a respeito do qual na época demonstrou ser grande fã). Mas, verdade seja dita, os roteiristas foram ousados e imaginativos.

E finalizando: o capanga grandalhão andando sobre a água é um dos poderes mais legais, inusitados e visualmente interessantes. Rende uma cena de luta que eu nunca tinha visto igual na tv ou cinema e era algo que estava esperando para ver há muitos anos, desde que jogava de Death Knight, no World of Warcraft, onde essa classe também andava sobre a água.

Quem Escreve

4 thoughts on “The Nevers é os X-Men na era Vitoriana da HBOMax

  1. Exelente análise. Só um nerd raiz poderia passear pela série cotejando-a com mundo dos HQs com essa perfeição. Essa análise é daquelas que após lê-la nossa memória é desafiada com as coisas que lemos ou vimos . Parabéns ao comentarista.

    1. Ficamos felizes que tenha gostado, Maurício. Nossos colaboradores sabem o que falam. Aqui só tem nerd raiz mesmo… hehe.

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